Opinião
Além do necessário
Por Eduardo Caputo
Pesquisador associado - Universidade Brown, EUA
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Em 2004 eu fazia cursinho pré-vestibular. Certa sexta-feira chuvosa optei por não ir a aula. Morávamos em um condomínio perto da rodoviária, em um apartamento no quarto andar, sem elevador. Ao longo da manhã, escutei um certo burburinho na rua. Desci para ver o que se passava, e água já havia avançado no fundo do condomínio. Nunca havia entrado água lá. Como nosso prédio era bem no meio, achávamos que não avançaria muito. Ao longo da tarde, a água foi avançando, e uma certa tensão foi se fazendo presente, em especial, claro, nos vizinhos que moravam no térreo.
Muitos ali moravam há anos no condomínio, logo a relação era de amizade entre os que compartilhavam o prédio. Lembro como se fosse hoje, o momento que uma das vizinhas saiu gritando: “Gente, está entrando água na minha casa, me ajuda!”. Dali em diante, um esforço coletivo entrou em ação para salvar os móveis e pertences dos vizinhos que habitavam o térreo. Não houve pedido de licença, nem formalidades. Não era o momento. Ao longo das horas seguintes, enquanto a água avançava, os corredores ficaram tomados por móveis e eletrodomésticos.
Os vizinhos desabrigados foram recebidos em outros apartamentos. Por precaução, água e luz foram cortadas. Nesse cenário, não restavam muitas opções para passar o tempo, até se ter boas notícias. Com lanternas, alguns vizinhos tomavam mate e conversavam no corredor, tentando aliviar a tensão contando histórias e causos. Em um dos apartamentos, um cavaco e um pandeiro, direcionavam o pagode da gurizada. Nesse cenário, em meio ao caos de ficar ilhado e sem luz e água, a noite se passou. No dia seguinte, a água baixou. Deixando um pouco para trás tudo que havia acontecido.
Obviamente não é meu objetivo comparar essa enchente com a atual. O objetivo aqui é chamar atenção para outro ponto. Doações de roupa, comida e material de higiene são importantes. Mas, em meio ao caos que se passa em nosso estado, levar um pouco de alegria e distração para essas pessoas também se torna fundamental, na minha opinião. De que forma?! Da forma que for. Uma ocupação, seja para crianças ou adultos, ajuda a passar o tempo. A deixar de lado, mesmo que um por instante, os pensamentos tristes e os problemas que ainda estão por vir. Nesse momento tão triste e pesado, me parece que atitudes como essa também são uma ótima forma de empatia.
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